Rio de Janeiro AquiRio de Janeiro Aqui

Restauração do Parque no Século 20 | História da Floresta da Tijuca - Parte 8

Continuação da História da Floresta da Tijuca tendo por base os escritos de Raimundo O. Castro Maia, ex-Administrador do Parque, com acréscimo de comentários, gravuras históricas e fotos de locais narrados feitas por mim, criador desta página.

Restauração da Floresta como Parque entre 1943-1947 | Administração de Castro Maya

Ao lado fotos e textos explicativos e comentários sobre algumas das benfeitorias feitas entre 1943 e 1947. O texto abaixo, à esquerda em "itálico" são os relatos de Castro Maya.

Foi quando em 1943 o Prefeito Henrique Dodsworth convidou-me para promover a restauração da Floresta. Na Introdução já relatei os pormenores da minha gestão; resta-me dizer que os objetivos em vista eram: restaurar o parque e criar novos locais ao agrado do turista de nossa época.

Tudo estava por fazer: as estradas em péssimas condições, as picadas e atalhos já não existiam, foi preciso descobri-los, e os prédios - mesmo os que serviram de residência a personagens do Segundo Império - estavam praticamente em ruínas. Pouco foi aproveitado. Para lhes dar o mesmo caráter que tinham no século passado, adquiri materiais nas demolições que se efetuavam para abertura da Avenida Presidente Vargas e contratei nos subúrbios os mestres-de-obras, carpinteiros e pedreiros a fim de, com sua ingenuidade, obter-se adequada restauração nas casas que iam sendo reconstruídas.

Algumas benfeitorias na Floresta da Tijuca feitas nos anos da década de 1940, quando o parque ganhou vida novamente.

Portão de entrada da Floresta da Tijuca

Acima o portão de entrada da Floresta, que fica próximo à Cascatinha Taunay. Obra de bom gosto, de Wladimir Alves de Sousa, que em estilo neo-colonial remete à nossas raizes culturais. Seriam as pirâmides laterais uma alusão à Mestre Valentim, ao Chafariz da Pirâmide na Praça XIV e as pirâmides do Passeio Público?

Restaurante da Cascatinha, em local aproximado onde situava-se a casa de Taunay

Esta edificação de 3 andares, ao lado da Cascatinha, é um restaurante. A edificação foi reformada por Castro Maya, conferindo-lhe uma aparência, segundo seus escritos, alusiva ao estilo colonial. Na verdade, com relação à aparência atual, o que existe é um telhado com algumas caracteristicas coloniais e janelas laterais imitando aparência colonial, mas as esquadrias das janelas do que parece ser uma varanda frontal não tem nada de arquitetura "colonial" ou neo-barroca. Externamente o que com muito esforço poderia ser chamado de "balaustradas" possuem cobogós e a primeira escada de subida apresenta corrimões de canos de ferro ligados por pilaretes de alvenaria ou concreto.

Originalmente, esta edificação foi construída sobre local muito aproximado onde ficava a Casa de Taunay e parecia uma "fábrica" segundo Castro Maya. A casa original de Taunay foi construída em 1817 e demolida na primeira gestão de administração após a proclamação da república, exatamente para a construção desta edificação, ou seja, no início do século 20.

Talvez fosse melhor se existisse menos interferência nos entornos da cascatinha, embora a idéia de um restaurante ao lado seja agradável e confortável para quem visite o local.

Capela Mayring, na Floresta da Tijuca

Acima, foto da Capela Mayrink, na Floresta da Tijuca, com pequeno campanário ao lado projetado pelo arquiteto Wladimir Alves de Sousa, que também refez a fachada.

Segundo o linguajar de Castro Maya, a capela "foi por assim dizer feita de novo", o que deixa dúvida se foi restaurada levando em conta o projeto original ou se existiram modificações no corpo principal, já o arquiteto acrescentou um campanário.

Interior da Capela Mayrink

Na foto também mostrada acima, o interior da Capela reformada durante a administração Castro Maya, entre 1943-46. A capela conta com painéis encomendados à Portinari por Castro Maya, que era amigo do artista. Hoje no local permanecem cópias dos quadros, os originais se encontram guardados em outro local.

A idéia de usar quadros de Portinari na capela, embora a descacterizasse históricamente, foi feliz criando um atrativo à mais no parque, para os apreciadores da arte moderna.

Açude da Solidão

O Açude da Solidão, ou pequena represa do local chamado Solidão, é uma área da floresta como sempre cercada de densa mata, com alguns jardins, áreas de lazer e caminhos pitorescos ao redor do açude que forma um espelho d´agua. Para o paisagismo em torno do açude contou-se com o auxilio de R. Burle Marx, que aparentava estar em uma fase menos geométrica, o que resultou em um trabalho bastante harmonioso com a natureza do local.

Portão do Açude, na Floresta da Tijuca

O Portão do Açude também é outra obra de bom gosto da gestão Castro Maya, construido em 1944, de autoria do arquiteto Wladimir Alves de Souza. As pilastras laterais dos portão são encimadas por pequenas estátuas. As grades utilizadas que delimitam o Açude da Solidão já estiveram em tempos anteriores no Campo de Santana, atual Praça da República, no centro do Rio, e se encontravam sem uso em um depósito da Prefeitura.

No fim de semana em que esta foto foi tirada, havia algumas pessoas vendendo refrigerantes ao lado do portão, por isto aparecem na foto.

A primeira medida foi demarcar os limites do parque; para assinalar seus acessos pedi o auxílio de meu amigo arquiteto Wladimir Alves de Sousa, que com rara felicidade, demonstrando seu grande bom gosto, desenhou e projetou os dois portões simbólicos, um no Alto da Boa Vista e o outro no Açude da Solidão.

Este local foi totalmente transformado, não entraram aí as reminiscências do Barão de Escragnolle; tudo foi criado por mim, a começar pela saída da Floresta, que não era naquele local.

Abriu-se novo caminho e com o auxílio do paisagista Roberto Burle Marx transformou-se a antiga represa, que era sujeita a poluição das águas, em um recanto encantador, realçado ainda pelas antigas grades do Campo de Santana, que estavam no Depósito Público e foram cedidas à Floresta pelo Prefeito Henrique Dodsworth.

As águas do abastecimento, que até então eram captadas no açude, foram canalizadas muito acima dele, evitando-se assim a contaminação direta pelos visitantes.

O antigo sítio da Cascatinha também foi todo remodelado; limpou-se a área em frente à Ponte Job de Alcântara, que não se via mais, e foi reformado o prédio do restaurante - parecia uma fábrica - dando-se-lhe cunho colonial. Infelizmente nada mais existia da casa dos Taunay, pois fora demolida no princípio do século.

A Capela de Mayrink também foi por assim dizer feita de novo, com a fachada desenhada por Wladimir Alves de Sousa, que ainda projetou o campanário. Faz-se um romance em torno da capela, que é relativamente recente: provavelmente da segunda metade do século XIX, construída no sítio da Baronesa de Rouan que mais tarde veio a pertencer ao Conselheiro Mayrink. Hoje o seu maior atrativo está nos magníficos painéis de Portinari, que nasceram por um imprevisto. Quando entrou em reconstrução, nada havendo no seu interior, consegui do Património Histórico um altar antigo vindo de uma capela de Minas Gerais. Na hora de colocá-lo verifiquei que houvera engano nas medidas: o altar não cabia na capela. Desisti então dele e recorri a meu amigo Cândido Portinari, para que aceitasse a encomenda de pintar três painéis representando Nossa Senhora do Carmo ladeada por São Simão Stock - que teve a visão de N. Sr.a no Monte Carmelo - e São João da Cruz, fundador da Ordem do Carmo. Serviu de modelo a irmã do artista; o menino Jesus é o seu filho João Cândido. Custou tudo 40.000 cruzeiros; alguns moradores do Alto da Boa Vista auxiliaram-me no pagamento dos painéis. A primeira missa foi oficiada pelo Cardeal D. Jaime Câmara em 16 de julho de 1944.

Outra obra efetuada com muito carinho foi a do restaurante que batizei de "Esquilos", na antiga residência do Barão de Escragnolle. Além das obras de restauração projetei um jardim que podia ser transformado em Teatro da Natureza, e para isso levei até lá a iluminação elétrica. A fim de não prejudicar as árvores foram os fios conduzidos em cabo armado subterrâneo.

A casa da Solidão, que era residência preferida pelo Visconde do Bom Retiro para repousar da sua faina cotidiana, foi totalmente reformada; e para dar vida às picadas e alamedas circundantes, foi cedida à Sociedade Hípica que lá mantém uma filial da sua sede. (Nota: Hoje em dia não existe mais esta filial no local).

O ponto chamado Bom Retiro (onde está um obelisco dedicado ao Visconde do Bom Retiro), que era também chamado bambus, foi transformado em playground, criando-se um local novo, pois o que existia era simplesmente alguns bancos sob touceiras de bambus. Ali montei um pequeno bar com cobertura de sapé, no trecho que dá acesso aos picos.

As obras por mim realizadas assim como o cuidado com a conservação das estradas e caminhos e o replantio de espécies decorativas foram recompensados, não só pelo público, que afluía com entusiasmo aos logradouros, onde encontrava, a par dos passeios encantadores, vários playgrounds feitos para este fim, como pela autoridade municipal que sempre prestigiou os trabalhos que ia executando.

Referências à figuras ilustres e contribuintes, objetivos e reconhecimentos da Administração entre 1943-47

Nota: Presidente Getúlio Vargas visita o local e almoça no restaurante "A Floresta".

Em 22 de julho de 1944 o Presidente Getúlio Vargas, acompanhado do Prefeito Henrique Dodsworth e do Ministro da Agricultura Apolônio de Sales, visitou toda a Floresta e almoçou no pequeno restaurante "A Floresta". Lá o Presidente me entregou uma medalha de ouro representando o cruzeiro simbólico que deveria receber por ano - peça única que aqui vai reproduzida.

Mais tarde, em 1945, o então prefeito Ministro Filadelfo de Azevedo honrou-me dando o meu nome a uma rua transversal da Avenida Edison Passos.

Não posso concluir esta exposição sem ressaltar o grande alcance que teve o decreto 7.182 de 21 de dezembro de 1944, que passou para a Prefeitura a administração, fiscalização e vigilância da Floresta da Tijuca. A medida foi de grande alcance, pois, como já ficou dito, da dualidade de administração é que resultou o abandono. Seria de toda conveniência o atual Estado da Guanabara pleitear, ainda, do Governo Federal, a transferência da propriedade dessas terras. Não há razão para que, da área tão pequena que tem atualmente o Estado da Guanabara, grande parte pertença à Federação, como é o caso dos monos que cercam a cidade.

Também cumpre deixar aqui patente o meu reconhecimento ao feitor Eugênio Fernandes da Silva, que serviu comigo durante todo o período da remodelação; também ao chefe dos trabalhadores Orcelino Pires, que ainda hoje me presta serviços na Fundação Raymundo Ottoni de Castro Maya.

Termino fazendo nova referência ao Visconde do Bom Retiro, a quem se deve a Floresta da Tijuca. Tinha ele o hábito de se isolar em lugares retirados a fim de trabalhar em sossego. A todos preferia a casa da Solidão, conforme já referi linhas acima. Embora fosse homem de muita atividade, encerrou sua carreira na administração pública depois de exercer a pasta do Império durante os quatro anos do famoso Gabinete Paraná (1853-1857); e viveu ainda 29 anos como amigo dedicado do Imperador e frequentador assíduo do Palácio de S. Cristóvão. Dele diz Nabuco em Um Estadista do Império: "Mais leal, verdadeiro e discreto amigo o Imperador não teve nunca." Morreu em 1886. Ainda Nabuco: "A morte de Bom Retiro foi para o Segundo Reinado no Brasil uma perda muito parecida com a do Duque de Morny para o Segundo Império em França."

Pode-se conjeturar que a desapropriação da bacia do Cachoeira não tenha sido um episódio isolado da ação governamental do visconde mas, sim, lhe ofereceu a oportunidade de fazer algo mais pelo seu retiro predileto; tanto é assim que os moradores do Alto da Boa Vista mandaram em 1857 lavrar em seu louvor uma placa de mármore, que está assentada no muro do Colégio Sacré Coeur, ao lado do Lampião Grande.

Como ficou dito no início da Introdução, era meu desejo apresentar ao público uma amostra de um Parque Nacional, como os que existem nos Estados Unidos, Canadá e Argentina. Naturalmente era uma miniatura; mas em vez de encontrar receptividade entre os representantes do Serviço Florestal, foi justamente ali que esbarrei em sistemática oposição, que só foi resolvida com o decreto acima citado, por força do qual passou a Prefeitura do Distrito Federal a administrar, com poderes de fiscalização, a Floresta da Tijuca.

É de lastimar que até hoje os Parques Nacionais não passem de áreas reservadas sem atrativos turísticos, nem neles se observem medidas de defesa da fauna e flora, cuja preservação é o motivo de sua existência.


<< Página 7 - História da Floresta da Tijuca - Página 1 >>


Referências

  • A Floresta da Tijuca, de Raymundo Ottoni de Castro Maya (Autor dos textos em "itálico")
  • Inventário dos Bens Culturais do Parque Nacional da Tijuca, Estado do Rio de Janeiro, de autoria do Ministério do Meio Ambiente