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Vista à Floresta da Tijuca em 1885

Ponte no caminho de Excelcior, Floresta da Tijuca

Relato do Visconde de Taunay extraído do "Livro Viagens de Outrora", com comentários e fotos do autor desta página. Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de Taunay, descreveu em 1885 uma visita feita aos seus tios, que está publicada em Viagens de Outr'ora.

Este texto documenta o trabalho do Barão de Escragnolle, mostrando o estado da Floresta naquela ocasião.

Comentários Preliminares

Aqui é mostrado um trecho do livro Viagens de Outrora, citado por Raymundo Ottoni de Castro Maya em seus relatos sobre a Floresta. Neste trecho do livro sob o título "A Floresta da Tijuca", o Visconde de Taunay, descreve uma visita ao seu tio, Barão de Escragnolle, então administrador da Floresta e Parque da Tijuca, fornecendo um relato da situação do local naquele tempo.

"A Floresta da Tijuca"

Trecheo do livro "Viagens de Outrora", do Visconde de Taunay

"Conheceis, por acaso, a Floresta da Tijuca?

Mui naturalmente não, pois a população do Rio Janeiro, por mais inteligente e ilustrada que seja, no geral se distingue pela sua falta de curiosidade e de interesse, por quasi invencível torpor, em assumptos de arte e belleza naturaes.

Ide á Floresta da Tijuca.

Casa do Barão de Escragnolle | Atual Restaurante Os Esquilos

Antiga residência do do Barão de Escragnolle, que após ser reformada por Castro Maya, passou a abrigar o restaurante "Os Esquilos", que funciona no local desde 1943. A aparência atual da casa pode ter sido um pouco descaracterizada com relação à original.

Caminho na mata densa na Floresta da Tijuca

Caminho na mata densa na Floresta da Tijuca. Esta é a estrada do Mirante Excelcior como se encontra hoje. Usei está foto para dar uma ideia da mata densa da floresta.

Floresta da Tijuca próxima ao restaurante Esquilos

Caminho pavimentado da Floresta da Tijuca cercado de mata densa em direção à antiga residência do Barão de Escragnolle, atual restaurante Os Esquilos. Embora atualmente pavimentada, deve ser um dos locais descritos pelo Visconde de Taunay.

Casa do Barão de Escragnolle, atual restaurante Os Esquilos

Acima outra foto da Casa do Barão de Escragnole em meio à densa mata com árvores gigantescas, descrita pelo Visconde de Taunay. Atualmente no local funciona o restaurante Os Esquilos. A casa se encontrava em ruinas em 1943, e foi restaurada sem precisão histórica, porém na tentativa de respeitar o passado, segundo descreveu Castro Maya, administrador e restaurador do Parque Floresta da Tijuca na época. Foi nesta mesma época, por volta de 1943 que Castro Maya a reformou, transformando-a em restaurante.

Castinha da Tijuca ou Cascata Taunay

Cascatinha da Tijuca ou Cascata Taunay fotografada da Ponte Job de Alcantara. A queda dágua tem aproximadamente 35 metros de queda d´agua. Observe que do lado esquerdo tem um pequeno caminho cercado por grade, que permite ver a cascata mais de perto. Entretanto, visto da ponte, o cenário é praticamente o mesmo contemplado pelo Visconde Taunay em 1885.

Matas e montanhas vistas de uma parada na Estrada Barão de Escragnolle

O esplendor da florestas com suas matas densas, plantas e arvóres de diferentes espécies, algumas com com folhagem de cores vívas, e muitas montanhas ao fundo são vistas na foto acima.

Viagens de Outrora, livro do Visconde TaunayA foto foi tirada de um ponto de observação, na verdade uma parada e mirante menos conhecido, na Estrada Barão de Escragnolle, que fica entre um ponto que hoje em dia se chama "A Fazenda" e o restaurante "Os Esquilos", restaurante este que situa-se onde era a residência do Barão de Escragnolle.

Alo lado capa de uma edição do livro "Viagens de Outrora", do Visconde de Taynay.

Só lá n'aquellas encostas e planaltos, cobertos de copados bosques resguardados do machado devastador, pela solicitude dos poderes públicos, a bem da manutenção de parte dos mananciais que abastecem de agua esta cidade; só n'aquelles sombrios recantos, é que encontrareis, com indizível sorpreza, a combinação harmónica, positivamente eurythmica de duas grandes e poderosas forças — a natureza brasileira, com todo o seu prestígio e inexcedível poesia — e a intelligencia humana, no desenvolvimento do mais elevado pensamento artístico e na procura inquieta e insaciável do Bello, do Ideal. ..

Formoso passeio por um dia claro e fresco é a caminhada a pé do Alto da Boa Vista á casa do Barão de Escragnolle; caminhada, sim, pois preenche uns bons 30 a 35 minutos de marcha regular em que se vencem dois ou três declives um tanto ásperos, que os engenheiros do districto deveriam ter já tratado de rebaixar ou contornar...

Tome porém, o turista a pouca distância do Alto da Boa Vista, a estrada do Barão de Taunay, toda ensombrada por espessas mattas, e em cujas orlas florescem e embalsamam os ares nos mezes de Janeiro e Março, altas e antigas dracenas, e dentro em cinco minutos contemplará a bellissima Cascatinha, do alto de uma ponte severa e grandiosa de todo o ponto condigna da mysteriosa belleza do sitio, a que dá mais realce e até magestade.

Defronte demora a pequena e pittoresca vivenda edificada ha mais de 60 anos pelo Barão de Taunay; e em todos esses recantos da Tijuca parece ainda pairar aquelle espírito superior que viveu sempre identificado com a natureza do Brasil. . .

Quem não conhece a Cascatinha Taunay, tão pittoresca e popularisada, já por gravuras, já pela photographia, ou pintura? De boa altura, precipita-se o rio Maracanã (*) formando dois pannos de agua distinctos, á maneira de andares de grandiosa construção. O de cima cae de um jacto sobre enorme rocha, que parece encostada á grande parede de fundo; o de baixo, separa-se em dois ramos, a cercarem de grossos borbotões a rocha, além de um sem número de fios, uns longos e contínuos até a bacia inferior, outros mais ténues e intermittentes, que se pulverisam no espaço, borrifando de húmido bafejo, já as innumeras plantinhas rochosas, agrupadas de todos os lados, nas menores saliências da pedra, já a copa das grandes arvores mais chegadas. . .

D'ahi até ao alto do Mesquita, sóbe-se bastante, por planos tão húmidos no inverno, quanto refrigerantes e gratos em dias de sol forte. Depois, alcançada a beira superior do estreito valle — espécie de funil — que encerra o sitio da Cascatinha, abre-se larga a estrada chamada do Imperador, cuja conservação embora em terras particulares, pertence já á zelosa administração da Floresta.. .

Continuemos, porém, a caminhar.

Pelas abertas nas franças do arvoredo, vêem-se, á direita, dois alterosos cabecos, do Bico do Papagaio e o Pico da Tijuca e, à esquerda, de vez em quando a Gávea nos apresenta a pittoresca e conhecida configuração do cume, a pétrea e estreita planura que lhe deu o nome.

A cada volta da estrada, deparam-se-nos, então, immensas rochas, umas a meio desnudas, outras revestidas de vegetação que ora simula fino e miúdo péllo, ora cae em festões como mantos soltos ou desgrenhadas cabelleiras.

Começam então, as sorprezas.

Eis o ponte da Baroneza, fronteira á cascata Diamantina, uma jóia, obra de arte como Alphand, o magico jardineiro de Pariz não faria melhor, porquanto alli só interveio o homem para descortinar com geito e discreção tudo quanto as forças naturaes crearam em adorável desalinho. . .

Uns passos adiante, outra sorpreza — a gruta de Paulo e Virgina, dois enormes penedos encostados um ao outro e que parecem abrigar, em poética evocação, os castos amores dos dois eternamente pranteados heróes de Bernardin de Saint-Pierre. . .

Prosigamos.

Logo adiante da gruta de Paulo e Virgínia, aparece outra menor, mas igualmente caracteristica, com basto revestimento de vegetação que frondeia alto ou se agarra á pedra e se despenha em contorcidos rolos, á maneira de grossos cabos pintados de verde.

A sopé da rocha murmura um regato que desapparece n'u-ma calha, para surgir do outro lado do caminho, a juntar as buliçosas aguas ás da cascata Diamantina, que logo apóz a ponte da Baroneza, se despejam em nova queda, limpando cada vez mais as bonitas rochas de feldspatho branco, em que deslizam o espumante espanejar.

É a gruta de Bernardo de Oliveira dedicada a um dos amigos da Floresta, incansável em proporcionar ao Barão de Escragnolle sementes e plantinhas de toda a parte a que vá, principalmente do Paraná, mandando vir, á expensas suas, e de bem longe, mudas espécimens valiosos, sem outro interesse que não o de verificar, de cada vez que sobe á Tijuca, os progressos dos pupillos entregues aos cuidados de vigilante preceptor. . .

Depois de algumas voltas de caminho, sempre elegantes e por declives insensíveis, eis-nos chegados a um dos mais bellos pontos da Floresta.

É a vista do Almirante, outra homenagem de família.

E deveras, se há lugar em que possa pairar com gosto a sombra de um velho lobo do mar, o Almirante Beaurepaire, é alli, ante aquelles largos horizontes, enfrentando com o colossal massiço da Gávea, cuja forma lembra gigantesca não de guerra, como que a meio desarvorada, immovel e encalhada apóz medonha tempestade, com o oceano largo; infinito, de ambos os lados, tranquillo, ao longe, como um lago, ao passo que as ondas se quebram na incessante fúria de encontro aos rochedos da restinga da Tijuca, que uma quebrada de terras deixa ver Ia em baixo. . .

Depois da Vista do Almirante, tem-se o Labyrintho e, logo em seguida, apontada por graciosa mão em taboleta branca, a estrada do Pico da Tijuca, cujo massiço se ergue próximo, sombrio, listado de grandes sulcos, a imitarem caracteres graphicos.. .

... a cascata Gabriela, dedicada á baroneza de Taunay, irmã do Barão de Escragnolle, últimos filhos do Conde de Escragnolle, o qual, tocado de França, sua pátria, pelo furacão revolucionário de 1789, passou-se para Portugal e, com o Rei D. João VI, para o Brasil, onde morreu, em 1828, na província do Maranhão, como comandante das armas.

Muito interessante e característica é essa queda d'agua despenhando-se grosso e limpidissimo veio do alto de uma grande rocha, que foi partida ao meio por algum corisco. Uma das metatades escorregou e afundou uns palmos no terreno, ao passo que a outra se conservou firme, formando-se entre as duas pedras uma calha natural em que corre agua e da qual ella se atira de jacto em bacias de brancas áreas.

E em torno, reina luz mysteriosa, quase verde, coada pela densa cupola do arvoredo, a dar pela lei do contraste, mais brilho ás scintillações argênteas da cascata.

Que esplendida decoração para inspirado quadro, como o Banho de Diana, do Dominiquino, obra prima em que tanto se admiram as illuminações internas da agua, quando n'ella caem de soslaio os raios do sol. . .

Todas as bellezas que procuramos descrever e das quaes temos dado imperfeitos esboços, mais para excitar a curiosidade dos turistas, do que por pretenção de fixarmos no papel e a outrem transmitir as múltiplas e indizíveis impressões que nos deixou a floresta da Tijuca; todas aquellas bellezas se acham na região que demora ou acima da casa da administração central ou á sua direita, para onde mais particularmente se voltaram as vistas e cuidados do creador e zelador de todo aquelle immenso e estupendo parque..."

(*) O Visconde de Taunay usa impropriamente o nome de Rio Maracanã; devia ser Rio Cachoeira.

Fim do texto citado por R.O.Castro Maya

Referências

  • A Floresta da Tijuca, de Raymundo Ottoni de Castro Maya
  • Viagens de Outrora, de Visconde de Taunay