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Notas de Debret Revelam Brigas e Intrigas na Academia de Belas Artes

Interessantes anotaçõeses de Debret acerca da história da Academia Real de Belas Artes, no Rio de Janeiro, que ele ajudou a criar juntamente com outros membros da "missão artística francesa". Debret discorre sobre seu amor pela arte, sobre sua luta e obssessão pelo ensino eficaz na academia contra os interesses mesquinhos e políticos.

Estaria Debret correto ao criticar o diretor?

O diretor ao qual Debret se refere, é um português recém chegado de Portugal, que ele não cita o nome, diretor este que substituiu Joachim Lebreton, que veio juntamente com ele da França. Joachim Lebreton, o primeiro diretor encarregado de tal missão, se afastou tempos depois, após intrigas e descontetamento.

Tanto no seu relato histórico sobre a criação da Academia Real de Belas Artes, como também nas notas relativas à este relato, Debret mostra existir uma richa e antipatia pessoal entre ele e o novo diretor, antipatia e desprezo estes que se estendiam com a mesma intensidade ou intensidade maior também contra o novo secretário da Academia, que era fiel ao novo direto.

Debret em seu relato e notas chama o diretor de inexpressivo e incompetente artisticamente, considerando-o sem qualidades para dirigir o projeto de criação da Academia, bem como dirigir a Academia já criada. Indo mais além ataca o caracter mesquinho e traiçoeiro do diretor e seu secretário.

Vejamos o Legado de Debret?

A mim que escrevo este texto sobre os relatos de Debret, não me cabe comentar o caracter dos envolvidos e nem emitir parecer pessoal sobre richas, disputas, brigas e intrigas.

Mas podemos tirar conclusões sobre competência e talento no ambito artistico em função do trabalho realizado pelos envolvidos. Não resta dúvida que Debret tinha competência e nos deixou um grande legado em termos de representação pictórica de um tempo da história do Brasil, assim como textos que testemunham o momento presente do Brasil que ele viveu. Textos precisos, pois ele conviveu de perto e teve relações pessoais em maior ou menor grau com o D.João VI e D.Pedro I, assim como ministros de estado.

Seus escritos e seu livro foram lançados após seu retorno à França, e portanto seus relatos foram feitos dentro do que me parece, de uma forma bastante honesta, procurando apresentar os fatos dentro da honestidade intelectual que sua razão permitia, sem ser tendencioso ou bajulador. Quem já o leu, não somente neste relato, mas em vários outros, notará que ele emite opiniões pessoais e e se deixa levar por seu lado crítico, às vezes até hipercrítico, em muitos fatos que relata, mas isto não reduz o valor dos seus escritos como fonte de referências e pesquisas. Debret era um pintor de história, e não um historiador.

Sem dúvida Debret nos deixou um valioso legado em termos de representação pictórica assim como em termos de relatos escritos e testemunhos históricos.

Quanto ao seu legado acadêmico e no que diz respeito à formação de novos artistas, este legado é inquestionável, em função das provas históricas através das exposições onde seus alunos apresentaram seus trabalhos, assim como pelo fato de alguns terem se tornado competentes artistas profissionais.

Quanto ao diretor que Debret não cita o nome, certamente devido ao alto de grau de antipatia pessoal e desprezo que tinha pelo mesmo como artista, este diretor parece não ter deixado um legado que possa ser considerado. E portanto, tudo leva a crer, que as críticas de Debret quanto à visão acadêmica e a incompetência artística deste diretor, são extremamente procedentes. Entretanto, caso alguém que leia este artigo tenha alguma referência ou comentário com embasamento, e que possa acrescentar à esta página, por favor envie-os por email, que eu os acrescentarei com os devidos créditos.

Academia de Belas Artes

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Anotações de Debret

Abaixo as anotações e referências que acompanham o texto sobre a História da Academia de Belas Artes, relato este que é parte integrante do livro "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil" com tradução é de S. Milliet.

Não é preciso dizer que não faz sentido ler estas anotações e citações sem ler o relato acerca da "História da Academia de Belas Artes". Nesta página estão apenas as referências e anotações do relato se encontra na outra página.

Devo dizer também que, as anotações de Debret estão em itálico, e entre elas existem comentários meus (autor desta página editada e notas acrescidas), assim como títulos que acrescentei à cada comentário para marca-los de forma didática.

Referência aos trabalhos de cenários teatrais executados por Debret

Antes que a Academia fosse realmente concretizada, Debret realizou vários trabalhos, entre eles muitas pinturas de cenários para teatro, em espetáculos que esteve presente D.João VI, D.Pedro I e a corte em diversas épocas.

(Nota 1) Nesses cenários trabalhei durante sete anos. (N. d. A.).

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Debret critica a mediocridade de seu desafeto, o novo diretor da Academia que propunha métodos diferentes

(Nota 2)Muito abaixo do cargo, o pintor português, saindo pela primeira vez da capital, soube apenas reproduzir, ainda assim mesquinhamente, os estatutos da Academia de Lisboa, título pomposo dado em Portugal a um curso de desenho no qual se alternavam o estudo da figura com o da arquitetura. O projeto acarretava uma economia baseada na supressão de parte dos artistas franceses: dois alunos do arquiteto, o professor de mecânica, o de gravura a buril, nessa época ausente em licença, para terminar duas pranchas em Paris, e finalmente o nosso secretário, injustamente destituído. Aliás o déspota português mantinha-se em profundo silêncio, em relação aos outros cursos e colocava os professores numa falsa posição, prelúdio da eliminação definitiva; para contrabalançar a injustiça, admitia três pensionistas nacionais e um secretário português com metade dos vencimentos do nosso. (N. d. A.).

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Mais crítica ao seu desafeto, o diretor e aos favorecimentos políticos

(Nota 3) Esse erro cujas consequências funestas se prolongaram demasiadamente, resulta, em princípio, de um motivo humanitário da parte de um ministro que, na circunstância, desejava apenas dar uma colocação a um artista infeliz, pai de doze filhos e a ele vagamente aparentado; em segundo lugar, procurava dar um meio de vida a um velho abade português, filho de franceses, mau poeta satírico, parasita teimoso e aborrecido que o importunava diariamente. (N. d. A.).

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Acerca de um novo regulamento sobre o currículum da Academia, contrário aos métodos dos franceses

(Nota 4) Isso ocorreu em fins de 1820. (N. d. A.).

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Referência à indecisões políticas, intrigas e sabotagem do diretor

(Nota 5) Começou por embrulhar os dois ministros acerca da vantagem do local, demonstrando ao ministro do interior que esse início de edifício, de um acabamento longo e dispendioso, pertencendo por aderência ao edifício da tesouraria, conviria de preferência para a Casa da Moeda e que a Academia se poderia instalar quási imediatamente numa belíssima casa situada no Campo de Sant´Ana, perto do Museu; assim, considerava ele prudente sustar, por ora, o despacho dado à minha solicitação, aliás muito louvável.

Muito ocupado com o meu trabalho no teatro, e convencido da boa vontade do governo, só ocasionalmente reiterei a minha solicitação, endereçada alternativamente a ambos os ministros, ambos indecisos sobre a sua alçada no caso, pois o ministro da Fazenda era o protetor do edifício e ao ministro do Interior cabia proteger os artistas. E essa indecisão, mantida nas repartições pela tagarelice do secretário, durou até a mudança de ministério. (N. d. A.).

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Mudança política com novo Ministro do Interior favorável às artes e ciências favorece as idéias de Debret

(Nota 6) Carneiro de Campos foi, posteriormente, ministro várias vezes. Deve-se-lhe a instalação da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi mais tarde um dos membros da Regência Provisória. (N. d. A.).

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Sobre as artimanhas, intrigas e incompetência do diretor e seu secretário

(Nota 7) Fora encarregado de conservar, nessa Bala, uma coleção de quadros trazida pelo sr. Lebreton e que mais tarde, adquirida pelo Barão de São Lourenço, ficou depositada provisoriamente numa das salas da Tesouraria, que se tornou necessário afinal desembaraçar. Nosso trêfego secretário, afim de tornar-se importante, dirigiu a operação e mandou colocar desastradamente os quadros no chão dessa sala, ainda úmida por ter servido de atelier de escultura. Fechados, sem ar, durante seis meses, os quadros foram encontrados quási apodrecidos. Pois bem, esse ato de vandalismo, que deveria acarretar a demissão do diretor, valeu-lhe, ao contrário, grandes vantagens; à sombra da restauração dessa infeliz coleção, obteve a permissão de residir no Museu, além de uma gratificação como restaurador dos quadros da Coroa. Quanto ao secretário, reduzido à metade dos vencimentos de seu predecessor, nada perdeu tão pouco, porquanto o barão de São Lourenço criou para ele um lugar de capelão da tesouraria, onde vinha diariamente dizer a missa, regalando-se em seguida na repartição com denegrir-nos aos olhos dos funcionários mediante calúnias atrozes. (N. d. A.).

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Sobre as Exposições organizadas pelos seguidores de Debret e a Instalação da Academia

(Nota 8) Isso ocorreu no mês de janeiro de 1824. A produção dos três primeiros meses impressionou tão fortemente o Imperador, pela sua perfeição, que o governo determinou a instalação da Academia das Belas Artes. (N. d. A.).

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Debret se regozija diante do reconhecimento e critica ferozmente seus desafetos

Nos comentários abaixo, Debret se regozia pelo reconhecimento, critíca a falta de talento dos opositores e protecionismo político. Defende seu amigo Grandjean de Montigny que estava sendo preterido e fala de sua luta diante das dificuldades.

Ao final fala de seu legítimo amor pela arte, de sua consciência sobre o assunto e sua experiência, e que o sucesso de seus alunos, (que ele considerava seus amigos) foram seus verdadeiros apoiadores diante de interesses mesquinhos de um diretor que ele qualifica como defensor de interesses pessoais, ocupando um cargo por dinheiro sem ter competência, e tentando cercear ou retardar a divulgação do conhecimento artístico, tornando o curso lento se opondo à um método mais rápido e prático, certamente para manter privilégios.

Ele também finaliza estes comentários falando de sua fidelidade aos verdadeiros valores da arte, elogiando as belezas do Brasil, desconhecidas do Europeu, que podem ser captadas por um pintor com sensibilidade filosófica. E termina dizendo que, suas recordações do Brasil o encantarão para o resto de sua vida. Eis abaixo o texto da nota.

(Nota 9) Avisado por um artista português, chamado Antônio, momentaneamente no Brasil, amigo e admirador de meus alunos, que costumava visitar, o ministro, já desanimado com a multiplicidade dos obstáculos apresentados pelo diretor, mas encantado com a instalação do meu curso, quis vêr-me e numa curta entrevista me observou a que ponto achava nulo o trabalho apresentado; perguntou-me o motivo do atraso na instalação de nossa academia, tão desejada no Rio de Janeiro.

Expliquei-lhe que o orgulho e a mediocridade do diretor, bem como os interesses do secretário se uniam para nos afastar de qualquer maneira e trabalhavam no sentido de paralisar nossos talentos, de impedir nosso contato com a autoridade, afim de nos transformar em pensionistas inúteis ao Estado.

Encontrando-o com boa vontade, sugeri-lhe a convocação de uma assembleia geral de professores; ele aceitou a sugestão, fixando um dia de reunião na sua casa e me pedindo que avisasse o diretor. Nada foi mais cómico que o efeito de minha missão junto ao diretor, estupefato e reduzido ao silêncio pela ausência de seu secretário, em verdade dificil de encontrar, pois esse parasita verboso vivia (juntamente com seu cavalo) à custa das pessoas que ele divertia diariamente com anedotas escandalosas.

Deixei pois o pobre diretor resolvido a ir pessoalmente desculpar-se pela impossibilidade de avisar com suficiente rapidez os acadêmicos todos e solicitar um adiamento de oito dias, o que o clarividente ministro concedeu caridosamente. O secretário, temeroso das censuras, evitou comparecer e encarregou o diretor de desculpá-lo junto ao ministro.

Assim começaram nossos desastrados adversários, com evidente falta de zelo e de generosidade no sentido de atender à rápida instalação desejada pelo chefe do governo. O secretário acabou de perder-se na opinião do ministro, por ter-me denunciado, numa entrevista em casa de terceiros, como um intrigante insubordinado que dava lições de pintura antes da abertura da academia, ao que o ministro respondeu que, ao contrário, o governo só tinha elogios a fazer-me; e nosso inimigo desarmado desapareceu precipitadamente enquanto o marquês de Queluz nos afirmava que o homem mais deslocado do corpo acadêmico era na sua opinião o secretário.

Reúnimo-nos duas vezes; o secretário não compareceu à primeira reunião, que se realizou dentro do protocolo acadêmico e na qual nos foi dado conhecer pela primeira vez o projeto misterioso, lido enfaticamente pelo diretor. Constituía-se esse projeto unicamente de detalhes minuciosos de um curso de desenho dividido em cinco anos. Não podendo mais conter o riso provocado por esse amontoado de puerilidades, completamos a sua derrota observando por unanimidade que essa algaravia não tinha sentido, e adiamos a sessão para dois dias mais tarde, afim de podermos trazer nossas observações especializadas.

O diretor, naturalmente, ao voltar para sua casa despejou a bílis no secretário, culpado de tê-lo abandonado sozinho entre os professores franceses. Por isso, já na segunda sessão, compareceu também o secretário, reunindo-nos assim juntamente com os dois funcionários portugueses. Chegou-se então a um acordo, convido-se estabelecer as bases de nossa organização; após a leitura do trabalho completo, de que me ocupara antes, ficou resolvido submetê-lo ao ministro, perfeitamente senhor da nossa língua.

Aterrado ante a resolução, de olhos fixos no secretário, o diretor pedia socorro "telegráficamente". Inspirado pelo perigo iminente, o secretário fingindo-se entusiasmado, apossou-se das duas primeiras folhas do meu trabalho afim, disse, de traduzi-las. Com esse subterfúgio terminou a sessão em meio a uma satisfação geral aparente; mas, a par de seus expedientes contemporizadores, recopiei as duas folhas e levei, nessa mesma noite, o manuscrito completo ao Ministro, que se mostrou encantado com a nossa celeridade; guardou o manuscrito para ler e marcou-nos nova entrevista.

Muito satisfeito conosco, o ministro censurou a lentidão do tradutor, mas o pintor português que me acompanhava ofereceu-se logo para substituí-lo, o que foi aceito, pois a proposta reunia a dupla vantagem de uma rápida tradução e um perfeito entendimento com o autor do trabalho. Dois dias bastaram para terminar a tradução desse projeto que dava afinal a nosso protetor a gloriosa possibilidade de instalar a Academia de Belas Artes, há tanto tempo entravada.

Por outro lado mandava ele acabar com urgência a construção das salas de estudo, mediante aplicação da verba para esse fim reservada. E, descobrindo na ausência do diretor, uma razão criminosa, o Ministro determinou-lhe que apresentasse imediatamente o trabalho de que se achava incumbido. Este se desculpou, alegando as dificuldades de um trabalho a que se devia acrescentar a legislação portuguesa. Mas a má fé, já desvendada em parte, foi totalmente esmagada pelo repentino aparecimento de uma tradução completa, entregue ao Ministro, o qual o intimou a voltar o mais brevemente possível com o trabalho revestido das formalidades legais.

Este acréscimo, além de superior às forças do secretário, comprometia a ambos; desde então principiaram a vociferar contra a minha "traição", dedicando-me um ódio implacável. É que existia no meu projeto um conselho diretor composto dos diretores da instrução dos príncipes, da Biblioteca Imperial e do Museu, conselho este que se colocava acima do poder tirânico do diretor português, em benefício do estudo e em detrimento da funesta oposição de nossos dois inimigos.

Favorecido pelos acontecimentos do Sul, que preocupavam, então, todos os espíritos, o diretor continuou impunemente inativo durante algum tempo. Mas a nomeação do Marquês de Queluz para o ministério das Relações Exteriores provocou novo incidente que podia acarretar a exigência da entrega do trabalho ao novo titular, dentro de um prazo de 24 horas. O perigo desmascarou por completo a mediocridade do secretário, tendo o diretor recorrido a um amigo português, que se dizia arquiteto, recentemente chegado de Lisboa e já em excelentes relações com as autoridades. Em uma noite o "salvador" organizou uma salada absurda de nosso trabalho com as pretensiosas atribuições do diretor português, a qual foi, pelo desastrado cortesão, entregue ao Imperador; e o trabalho passou assim às mãos do novo ministro, já chocado com a falta de delicadeza do diretor.

Informado, ademais, da existência de nosso projeto, solicitou-me um exemplar para comparar com o outro e apressou o acabamento das salas da Academia. Entrementes, o novo intrigante de Lisboa, nomeado arquiteto oficial, valendo-se de seu título e apoiando-se nas calúnias do diretor contra Grandjean, teve a indecente audácia de fazer com que o encarregassem de acabar a Escola de Belas Artes.

Para demonstrar seu zelo, propôs astuciosamente a abertura provisória e econômica do curso de desenho, apoderando-se da sala onde eu começara meu quadro e me deixando em uma espécie de corredor escuro para o curso de pintura: golpe tríplice habilmente dado nas atribuições de nosso arquiteto, na minha atividade como pintor de história e professor, e que estabelecia, com o curso de desenho, a autoridade de diretor professor, posto em atividade provisória sem que a academia sancionasse o plano de organização.

Mas as desastrosas consequências desse gesto, desmascaradas pelos nossos amigos poderosos, foram sustadas; considerada entretanto como um simples excesso de zelo pelo ministro, não impediram que o arquiteto usurpador continuasse os trabalhos de comum acordo com o diretor investido antecipadamente de autoridade. (Este arquiteto efémero perdeu progressivamente todas as suas atribuições; reduzido a vencimentos mediocres deixou o Brasil em 1832).

Voltando de uma viagem ao Sul, o Imperador trouxe consigo José Feliciano Fernandes Pinheiro, mais tarde visconde de São Leopoldo, brasileiro dedicado, homem probo, historiador erudito, que tomou posse imediata da pasta do interior mas que, infelizmente para nós, fora colega do secretário na Universidade de Coimbra. Entretanto a instalação dos sete cursos já se achava demasiado avançada para que fosse suprimida do ensino, embora nesse momento difícil o triunvirato português desenvolvesse habilíssima manobra para enganar o honesto ministro.

Embriagado pelo incenso dos detratores, veio ele de boa fé, na véspera da instalação da academia, pedir-nos que não erguêssemos nenhum obstáculo à grande obra, afim de não deixar pretextos à oposição. A instalação efetuou-se portanto no dia seguinte com toda a pompa portuguesa, e sob a direção de nosso adversário; em cima da porta de cada sala a indicação da especialidade prometia aos brasileiros e aos professores resultados em geral satisfatórios. Mas no dia seguinte o público veio a saber com espanto que quem desejasse entrar para a academia como aluno, deveria matricular-se no curso de desenho com a obrigação de seguir as aulas durante cinco anos antes de passar para outro curso.

Assim, os demais cursos, fechados, possuíam entretanto professores sem alunos, obrigados a virem todos os dias aí passar três horas de braços cruzados. Esse absurdo resultado fora atenuado perante o ministro com explicações como a seguinte: que cumprida, essa simples formalidade, o resto se faria de conformidade com os progressos do aluno etc., o que nos foi aliás repetido pelo diretor no dia seguinte ao da abertura. Concordei em mandar matricular somente três de meus novos alunos já desenhistas, mas que ainda não pintavam, porquanto essa lei não podia ter efeito retroativo sobre os meus alunos pintores, que frequentavam a minha classe. Mas o diretor insolente, que me acreditava meticuloso, esperava livrar-se muito breve de mim por meio de minúcias incríveis.

Quanto a Grandjean, que o novo arquiteto português do governo contava afastar o mais rapidamente possível, tinha ele, em virtude de sua especialidade, o privilégio de dar diariamente uma aula de duas horas apenas aos alunos do diretor, que se destinavam à arquitetura. Assim ressurgia no Brasil o sistema da Academia de Lisboa.

O ministro, cumulado de novas honras, deixou a pasta, entregando-a a um jovem brasileiro de grande mérito. Mostrei-lhe em poucas linhas a falsa orientação dada aos estudos pictóricos, demonstrando que o desenho, considerado básico na arte da educação, o era em princípio mas que o axioma se tornava necessariamente falso em sua aplicação absoluta; que cada um dos professores das classes especializadas conhecia indiscutivelmente essa primeira parte de sua especialização, mas de par com ciências análogas, esteios indispensáveis à rapidez dos progressos dos alunos.

Provei também, por experiência, que três anos de curso de desenho dado pelo diretor, de uma maneira lenta e desprovida de interesse, provocavam apenas o desânimo num povo como o brasileiro, vivo e perspicaz, e que o pequeno número de indivíduos apáticos que a isso se submetessem produziria tão somente artistas medíocres.

Essa representação tão simples, feita a jovens ministros pouco versados na cultura das belas artes, foi qualificada por nosso diretor de charlatanismo e de insubordinação contra um excelente método de ensino respeitado em Lisboa. Acrescentava ele, confidencialmente, que nosso sistema consistia em tudo subverter para satisfazer nossa inveja contra seu talento, e arrancar-lhe o lugar sem consideração pelos seus doze filhos. A frase, insinuada ao chefe da repartição e repetida a cada novo ministro, protegeu sua aristocracia devastadora até os anos de 1830 e 1831, em que a Assembleia Legislativa tomou conhecimento do caso.

Entretanto, o êxito de nossas classes valeu-nos algumas concessões, tais como as exposições públicas já citadas e a admissão de diversos alunos protegidos por personagens importantes. A classe de pintura, que sempre constituiu o objetivo dos nossos opressores, manteve-se sem nenhum apoio do governo: telas, tintas, pincéis, modelos, tudo se obteve por meio de privações ou de generosas doações.

Quanto a mim, apoiado na minha conciência e na minha experiência, nessa luta de amor-próprio e de pérfidas mesquinharias, que não me parece comparável senão ao incómodo passageiro da picada dos insetos dos trópicos, encontrei um esteio nos rápidos sucessos dos meus alunos, meus amigos. Nada alterou em mim a conciência da minha utilidade, nem o entusiasmo, que me inspirou o cultivo da minha arte sob um céu tão puro e num país onde a natureza ostenta aos olhos do pintor filósofo a profusão de uma riqueza desconhecida do europeu; fonte inesgotável de recordações deliciosas que encantarão o resto dos meus dias. (N. d. A.).

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Catálagos das exposição das classes de pintura e arquitetura custeados pelo professor de pintura (Debret)

Neste comentário Debret expressa o verdadeiro amor pela academia, pela arte e pelo ensino, ao organizar exposições e arcar com os custos do catálogos.

(Nota 10) Nada podia lisonjear mais os parentes e amigos dos expositores e envaidecê-los do que esse gesto patriótico que lhes permitia levar para casa os nomes impressos desses artistas apreciáveis. (N. d. A.).

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Catálogos das exposições, arquivados na Biblioteca Imperial do Rio de Janeiro e também em Paris

(Nota 11) Vários exemplares se acham hoje depositados em Paris nas bibliotecas e no Instituto Histórico, juntamente com o projeto dos professores, impresso no Rio de Janeiro em 1827. (N. d. A.).

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Comentários finais sobre o diretor e seu secretário

(Nota 12) Há pouco tempo, um brasileiro, chegado do Rio de Janeiro, comunicou-me que na mesma época mais ou menos nosso velho poeta satírico, privado de amigos e de assistência, fora encontrado morto na sua enxerga, em um humilde rés-do-chão, onde apenas havia algumas galinhas catando insetos em torno dele e um cavalo magro que, por falta de forragem, começava a roer o colchão do dono moribundo. Triste fim da abusiva profissão de falar mal com arte e de caluniar agradavelmente!

Quanto ao diretor português, infinitamente mais estimável como chefe de família, atacado um ano mais tarde por uma doença grave, mas cercado de cuidados dedicados, expirou nos braços que lhe eram caros, lamentando sem dúvida ter mal compreendido seus deveres e entravado durante tanto tempo o progresso das artes de um povo que lhe dera hospitalidade."

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